Mesmo com uma distância de mais de 7 mil quilômetros separando Brasil e Estados Unidos, em vários períodos do ano as usinas estrangeiras conseguem entregar etanol de milho no Nordeste a um valor mais barato que as usinas de cana locais. Essa situação acaba prejudicando as usinas brasileiras, especialmente as unidades do Nordeste.
Por isso, os produtores da região se mobilizaram de forma intensa nas últimas semanas e agora conseguiram o apoio da principal entidade do setor sucroenergético do Centro-Sul, a Unica.
A entidade enviou na terça-feira (28) um documento à Câmara de Comércio Exterior (Camex) pedindo uma taxa de 16% para o etanol que não for produzido no Brasil.
A linha de argumentação oficial da entidade para defender sua posição não menciona a pressão dos produtores do Nordeste ou a necessidade de garantir mercado para as usinas brasileiras, mas sim que foi uma decisão pensando no meio ambiente.
A taxação de 16% foi o número exato encontrado pela Unica para incluir o maior custo ambiental do etanol de milho sobre o de cana-de-açúcar. Além disso, também foi considerado o preço médio do etanol importado nos últimos 12 meses, um fator que tem pouca ou nenhuma ligação com as emissões de carbono do biocombustível.
Estudos sobre emissões de carbono na produção de etanol apresentam resultados bastante variados e os cálculos escolhidos pela Unica para chegar nessa taxa de 16% não foram divulgados. A associação não esclareceu se ela espera que todo etanol importado seja alvo da taxa ou apenas o etanol de milho.
Em nota, a Unica argumentou que o recente aumento da importação “poderia comprometer os esforços em prol da redução da emissão de gases de efeito estufa no contexto do acordo firmado na Conferência do Clima de Paris (Cop-21), em vigor desde novembro de 2016”. A entidade ainda completou: “Na maior parte dos países consumidores de biocombustíveis, existe uma diferenciação no tratamento dos produtos que emitem menos”.
RenovaBio vs. taxa de importação
Com a decisão, a Unica sinaliza que não quer esperar o RenovaBio. Essa precificação do combustível com base na emissão de carbono é justamente a base do programa. A iniciativa em desenvolvimento pelo governo prevê uma diferenciação no tratamento dos combustíveis, valorizando os produtos com menor emissão e colocando em prática os compromissos brasileiros da Cop-21.
Assim, caso o imposto entre em vigor e o RenovaBio seja implementado, o etanol importado receberá uma dupla desvantagem.
Posição contrária à taxa
Quando as usinas do Nordeste entregaram uma carta ao ministro Blairo Maggi pedindo a taxação, não constava a assinatura da Unica. Neste documento, a taxa solicitada era de 20%, contra os 16% do pedido da Unica.
A questão é que as usinas do Nordeste possuem o pleito de barrar as importações de etanol há muito tempo, mas nunca encontraram unanimidade na principal entidade – e a Unica ainda demorou duas semanas, após a intensificação da mobilização, para se posicionar sobre o tema. A razão teria sido uma divergência interna entre as associadas.
A principal oposição ao pedido seria da Raízen. A empresa, controlada pela Cosan, atua não somente com produção, mas também com distribuição de etanol e tem se destacado entre as principais importadoras do biocombustível.
Inclusive, em levantamento realizado pelo novaCana, a Raízen aparece na terceira posição entre as companhias que mais demonstraram interesse em importar etanol em 2017. Só este ano, a empresa abriu solicitações para trazer 123 milhões de litros ao país – esse número chega a ser superior ao total pedido em 2016, que foi de 110 milhões de litros.
O etanol importado não é taxado no Brasil e, desde 2010, o produto pertence à Lista de Exceções à Tarifa Externa Comum do Mercosul (Letec). Isso representa uma tentativa do governo brasileiro de fortalecer o mercado mundial de biocombustíveis, facilitando o fluxo de etanol. A taxa comum do etanol no Mercosul é de 20%.
Ou seja, criar barreiras para o etanol importado poderia desvalorizar o biocombustível em um âmbito mais amplo, conforme defendeu o professor da FEA/USP, Marcos Fava Neves. “Pedir tributação no etanol de milho americano para entrar no Brasil é um contrassenso. Que ele seja submetido às mesmas regras que o etanol brasileiro, mas pedir protecionismo não, fora de cogitação”, disse.
A força política do Nordeste e a força econômica do Centro-Sul não se complementam com facilidade no setor sucroenergético. Agora, com o RenovaBio precisando do apoio máximo de todas as forças do setor, a nova posição da Unica sobre o assunto, depois de anos de resistência, sugere uma necessidade maior de ajuda do Nordeste nas questões políticas.
Fonte: https://www.novacana.com/n/etanol/mercado/importacao/discordancias-unica-mobiliza-taxar-etanol-importado-16-310317/